Espanhóis cobiçam Gibraltar e fingem esquecer Olivença
por Leonídio Paulo Ferreira, in DN 15-07-2013
Que os espanhóis achem uma vergonha que Gibraltar continue britânica ao fim de três séculos é lá com eles, que ignorem Olivença é connosco. Fez sábado anos que o Tratado de Utreque formalizou a cedência do rochedo e não faltaram nos jornais palavras de indignação sobre a recusa dos britânicos em reconhecer que se trata de um empréstimo, não de cedência de soberania. E que o texto de 1713 prevê a devolução e nunca o direito dos gibraltinos a decidir, como se defende em Londres, sobretudo após os referendos adversos às intenções espanholas.
São sólidos os argumentos de figuras como Martín Ortega, da Complutense, no El País. Até sobre a apropriação abusiva do istmo, pedaço de terra não citado no tratado que pôs fim à Guerra da Sucessão Espanhola, que levou ao trono os Bourbon, antepassados de Juan Carlos. Mas nem uma palavra sobre a questão de Olivença, território reclamado até hoje por Portugal, depois de cedido em 1801 mas recuperado, à luz do direito internacional, pelo Tratado de Viena de 1815.
Como costuma notar com malícia a imprensa londrina, se há paralelismos nisto de contenciosos com toque ibérico é entre Gibraltar e Olivença. Verdade, pois Ceuta é um caso à parte.
Que aconteceu para Olivença passar a Olivenza? Uma invasão quando os espanhóis ainda serviam Napoleão e este não perdoava aos portugueses serem leais à Inglaterra. Derrotado o francês, as potências impuseram a devolução dessas terras para lá do Guadiana. Espanha fez-se de surda e com o franquismo triunfaria a castelhanização, ficando-se os vestígios de Portugal pela arquitetura manuelina e a calçada. À parte o Grupo dos Amigos de Olivença e uma ou outra atitude simbólica do Estado, por cá pouca atenção se tem dado ao diferendo.
Londres e Madrid chegaram a negociar em vão o futuro de Gibraltar, uma mini-Inglaterra com varanda para África. Espanhóis e portugueses foram mais pragmáticos: como dos governantes pouco podem esperar, seja em Madrid ou Lisboa, os oliventinos, agora extremenhos, dão-se bem com os alentejanos e aproveitam o já não haver guardas-fronteiriços. Voltou-se até a estudar o português e junto aos nomes espanhóis as ruas recuperaram as velhas placas.
Diga-se que tudo jogou contra Portugal em Olivença. Dois séculos de submissão a Espanha bastaram para aculturar gente com a mesma religião, cultura semelhante, fisicamente impossíveis de distinguir dos hermanos. Nada tem que ver, por exemplo, com o Kosovo, onde língua e religião perpetuam o fosso entre albaneses e sérvios mesmo que as fronteiras mexam.
Há duas formas pacíficas de resolver diferendos territoriais: a vontade do povo ou o diktat dos tratados. Sobre Gibraltar, os espanhóis insistem na segunda. A geografia reforça-lhes a tese. Mas não deixa de soar a hipocrisia Olivença ser esquecida nestes 300 anos do Tratado de Utreque.